Cacau Novaes: O amor entre o paraíso e o inferno
O grito entusiástico que anima a revolta contra a morte da poesia, presente na obra de Cacau Novaes em Os poetas estão vivos, é uma declaração vital de que o homem é poesia e diálogo constante com o divino: então não há a morte da poesia que é eterna. O desafio que corre nos versos de Cacau é contra a condição humana atualmente envenenada, em forma de uma poderosa guerra ao vazio criado pelo materialismo consumístico.
A partir dessa posição externa, temos agora, na nova obra que aqui se apresenta, Você não sabe do que é capaz, um processo de interiorizacão individual. O poeta enfrenta o amor em um diálogo dialético que leva a todas as facetas possíveis do relacionamento amoroso; uma viagem solitária nos vários territórios do amor, feita individualmente, e gradualmente corpo-alma, alma-corpo.
A primeira parte dos poemas, efetivamente, é mais ligada à natureza; sobre tudo o leitor respira um abandono cósmico com visões oníricas: lua, sol, mar, estrelas e presença da escuridão habitada por vampiros, até uma visita à lua. “Sobre o mar” quase me lembra a viagem de Astolfo à lua no Orlando Furioso de Ariosto quando Cacau diz: “mas meu pensamento está na lua”. O Orlando apaixonado, embriagado, louco de amor por Angélica, não pôde liberar os cristãos com seu heroísmo para ganhar a guerra contra os Sarracenos. E assim na lua, onde se encontram todas as coisas que se perdem sobre a terra, Astolfo com o Ippogrifo, vai recuperar o “senno” (juízo, siso, tino) do louco Orlando. Parece que Cacau, inversamente a Orlando, vai procurar o seu juízo antes de começar a guerra do amor mais fisiológica do que espiritual; de fato as suas poesias no início são mais leves e doces e depois, a partir da metade das 117 composições, ele enlouquece porque mostra do que o “eu” é capaz no amor.
E lendo Cálido, Pele, Suor Noturno, Tarado, Sedução etc. chega ao ápice de De Sade: experimentando o amor carnal, erótico, quase violento com o seu “morder” e “devorar” o corpo da amada. Canibalismo? Ou é o último estágio da relação amorosa? Pode ser como no mito da amazona Pentesilea, revisado por Kleist; Pentesilea e Aquiles loucamente apaixonados que se combatem até ele ser devorado por ela em um orgasmo erótico extremo? Concluindo acho que o conteúdo da obra de Cacau Novaes reflete a viagem (quase de Dante) nesse universo do amor entre Paraíso e Inferno. A forma das composições, às vezes, são rápidas, outras monossilábicas, outras icásticas, e enfim límpidas e cristalinas como água que tenta apagar a chama potente da paixão amorosa.
Por Pietro Gallina