Igreja Anglicana realiza primeiro casamento gay de SP
Cerimônia será tradicional, como o casamento do príncipe Harry, também anglicano. Em junho, assembleia em Brasília com clérigos anglicanos aprovou união homoafetiva.
O sonho de entrar em uma igreja de mãos dadas, sem olhares julgadores e condenatórios, vai se tornar realidade neste sábado (24) para Erika e Allana. As noivas se casam sob a bênção de um pároco da Igreja Anglicana na Grande São Paulo. O primeiro casamento homoafetivo oficialmente celebrado pelos anglicanos no estado está marcado para as 20h.
Em junho, depois de mais de 20 anos de discussões, uma assembleia realizada em Brasília por bispos e clérigos das dez dioceses da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil aprovou a união entre duas pessoas, independentemente do gênero, por 57 votos a 3.
“Sempre fui praticante do cristianismo e depois que passei a me relacionar com a Allana busquei por uma igreja que me abraçasse, não que me apontasse. Cheguei até o anglicanismo por sugestão do meu irmão, que estuda ciências da religião e me disse que esta era uma igreja inclusiva, de todos”, conta a mineira Erika Ramos Oliveira Bortolassi, de 31 anos, já usando o nome de casada no civil.
O anglicanismo é um ramo do cristianismo e tem suas origens na Inglaterra, no século 16, quando o rei Henrique VIII buscou a anulação de seu casamento e teve como resposta a recusa do papa. O evento, assim como a Reforma Protestante na Alemanha, ajudou a levar ao rompimento da coroa inglesa com a Igreja Católica Romana. O anglicanismo se tornou a religião oficial do Reino Unido e hoje representa cerca de 80 milhões de fiéis no mundo.
O pároco Arthur Cavalcante, que atua na paróquia da Santíssima Trindade, uma das 14 da diocese de São Paulo, e que vai celebrar o casamento de Erika e Allana, explica que a religião chegou ao Brasil no final do século 19, quando a República foi proclamada e o estado laico permitiu que outras igrejas fizessem suas celebrações.
Rito matrimonial
Dentistas, Erika e Allana se conheceram na confraternização das unidades da clínica em que trabalhavam, há três anos. Elas se apaixonaram e foram morar juntas. “Cheguei a me questionar se eu estava em pecado, mas o pastor Arthur esclareceu que na Bíblia não há outra regra além do amor ao próximo e o distanciamento do ódio”, continuou.
Elas optaram por realizar o casamento religioso em um sítio no município de São Bernardo do Campo, ABC, com a presença de alguns familiares e amigos. “Não pensávamos em casar no papel até entrarmos de mãos dadas na igreja. Foi especial”, disse. “E então nasceu esse desejo de validar a nossa relação perante a lei, com a benção de Deus, além de sentir o apoio da família e dos amigos”, completou.
O reverendo Arthur afirma que a cerimônia será tradicional, como o rito que uniu o príncipe Harry com a atriz Meghan Markle, em maio deste ano, e o primo da rainha Elizabeth, lord Ivar Mountbatten com o parceiro James Coyle, em setembro, que também são anglicanos.
“Além da aprovação da união homoafetiva, o sínodo orientou as dioceses a utilizar a linguagem adequada – onde tinha ‘marido e mulher’ no texto, agora são ‘pessoas’”, diz o pároco. “Não será um rito excepcional para um casal LGBT justamente por nossa proposta de inclusão; é um rito tradicional para pessoas, chamado Santo Matrimônio, com a entrada dos padrinhos, das noivas, um pequeno sermão e a troca dos votos”, antecipa.
“Antes de ser pároco, como cidadão, acho que o direito das pessoas se casarem deve ser preservado. Como pároco, digo que não há passagem nos evangélicos que alimentem o ódio e o desrespeito. Jesus acolheu e amou, e o que devemos alimentar aqui, então, é o companheirismo, a comunidade, o apoio mútuo, a convivência, mesmo que seja dura e difícil”, completou.