Morre Tepori Kamaiurá, grande matriarca do Xingu
Uma triste notícia para os povos do alto Xingu. Tepori foi uma importante mulher de seu tempo
Faleceu Tepori Kamaiurá, uma grande mulher do Alto Xingu. Ela estava com 99 anos.
Tepori viveu para prover, educar, aninhar, preparar e conviver com importantes e inigualáveis lideranças do que veio a se constituir como Parque Indígena do Xingu (MT). Era irmã do cacique Takumã e do pajé Sapaim, foi esposa de Paru Yawalapiti e, entre seus muitos filhos, estão o cacique Aritana e o precocemente falecido Pirakumã, cuja foto contendo a agressiva presença da polícia na Esplanada dos Ministérios em Brasília durante a Mobilização Nacional Indígena em 2013, foi bastante divulgada.
Era adolescente quando os irmãos Villas-Boas se apresentaram na região que ainda não era Parque do Xingu, que foi criado em 1961. Dois personagens foram estratégicos para a integração geopolítica dessa Terra Indígena concebida pelos Villas-Boas. Ao norte, Raoni Metuktire e ao sul, Paru Yawalapiti, os engenhosos agentes da diplomacia que se impôs para que a integridade cultural dos povos que hoje se convenciona chamar de “xinguanos” permanecesse.
Tepori era sóbria e discreta. Falava baixo, nunca ficava parada e dava a impressão de não se importar com assuntos que não estivessem relacionados à casa, à alimentação, ao conforto dos muitos filhos e netos.(Certamente com os bisnetos e tataranetos!) Parecia indiferente à presença de pessoas em sua casa, principalmente os brancos. Sem alarde, enviava uma criança para entregar ao visitante um belo naco de beiju recém assado, ou uma generosa cuia de mingau do sumo cozido da mandioca que estava há horas fervendo no quintal. Dela não se percebia qualquer olhar esperando agradecimento, mas achava normal ganhar de presente, na hora adequada, tecidos e miçangas. Se gostasse, guardava tudo nos recônditos de sua casa; se não gostasse, deixava de lado, como que franqueando a posse para quem quisesse. Tepori não fazia média. Entendia Português mas não fazia questão de conversar com quem não falasse sua língua. Enérgica, quando desprevenida dirigíamos-lhe o olhar, era puro afeto.
A dignidade, o orgulho e a generosidade de toda sua descendência são a marca da mulher Tepori. Os homens Paru, Sapaim, Takumã, Aritana, Pirakumã, Kotok, e tantos outros de sua família, refletem essa grande mulher que soube forjá-los conforme seu tempo e seu olhar.
Depoimento de Tapi Yawalapiti, neto de Tepori
Eu quero relatar a luta da minha avó, Tepori Kamaiurá, irmã de Takumã Kamaiurá. Quando Orlando Villas-Boas chegou no Parque, ela tinha 15, 16 anos, e ele a considerava como uma filha. Nasceu meu pai, Aritana Yawalapiti, primeiro filho de Tepori. Orlando considera meu pai como seu neto. Eu sou seu primeiro neto, ela me educou e cuidou muito bem de mim. Me contava muitas histórias, contava como era a organização social do povo, com se preparar para ser um líder. Ela dizia: “neto, a responsabilidade é muito grande, você terá uma responsabilidade muito grande na comunidade, você precisa ter um preparo”. Hoje estou aplicando os seus ensinamentos na prática, ajudando meu pai. Hoje acordei muito triste, lembrando dela, lembrei tudo que ela me ensinou.