Legado ambiental, crise econômica, obras: desafios a um ano dos Jogos
Terrorismo e rusgas entre prefeitura e ministério são outros obstáculos até o Rio 2016
Falta um ano para os Jogos Olímpicos do Rio. Daqui até o dia 5 de agosto de 2016 ainda há muito a ser feito. Eventos-teste, obras que ainda exigem atenção, uma crise política a ser resolvida e dúvidas em relação à situação econômica do país. Também já há o que se lamentar, como a pouca atenção ao meio ambiente. Confira os principais obstáculos até o início do Rio 2016.
- LEGADO AMBIENTAL?
Até a semana passada, as águas da Baía de Guanabara estavam aparentemente calmas, embora seguissem sujas. A publicação de uma matéria da agência de notícias Associated Press, porém, retomou com força o foco da poluição a poucos dias do evento-teste da vela, a partir do dia 15 de agosto. A matéria revelou níveis elevados de bactérias e vírus de esgoto nas raias olímpicas, alertando para o risco de doença para os atletas.
Velejadores foram novamente procurados pela imprensa, não para falar de esporte. Os brasileiros admitem a sujeira, mas acusam uma pressão dos estrangeiros para tirar as regatas da Baía de Guanabara – são três raias dentro e duas fora. Os anfitriões levariam vantagem nas intrincadas linhas de maré, causadas pela topografia, por velejarem há mais tempo no Rio. Mas os estrangeiros dizem que esta vantagem não existe mais, já que estão mapeando e treinando na região desde 2009, quando a cidade foi escolhida sede dos Jogos.
Búzios se empolgou e lançou campanha para receber a vela nas Olimpíadas. O Comitê Rio 2016 desconsiderou a hipótese de tirar as regatas da Baía de Guanabara, quanto mais do Rio. Por sua vez, a Federação Internacional de Vela anunciou que o evento-teste será fundamental para a tomada de “decisões importantes”.
Do lado do governo, o Instituto Estadual do Ambiente não reconheceu os testes da AP em um laboratório do Rio Grande do Sul, masadmitiu poluição fora dos padrões internacionais na Marina da Glória devido a uma saída de esgoto que ainda não foi fechada. Nesta segunda, a Secretaria Estadual de Ambiente (SEA) anunciou um acordocom sete universidades e três institutos de pesquisa para monitorar a qualidade da água e apresentar soluções para despoluir a Baía de Guanabara. O compromisso no dossiê de candidatura do Rio era tratar 80% do esgoto até 2016, número que está em 49%. A nova expectativa para solução do problema é 2030.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendou ao Comitê Olímpico Internacional a ampliação das análises da água, levando em conta também os vírus, e não somente as bactérias. O presidente do COI, Thomas Bach, apontou a limpeza da Baía de Guanabara como maior desafio dos Jogos do Rio. Para 2016, as soluções seguem sendo as paliativas: ecobarcos, ecobarreiras, e para o evento-teste, biorremediação na Marina da Glória, enquanto o esgoto não é fechado.
O biólogo Mario Moscatelli, um dos críticos mais ativos da situação, reclama da falta de gestão e fiscalização do dinheiro público e de uma política de estado voltada para a recuperação da Baía de Guanabara. O ambientalista e vice-prefeito de Niterói, Axel Grael, lamenta o fato da realização dos Jogos Olímpicos não ter dado resultados efetivos.
– O grande problema é que se teve uma atitude empreendedora em mobilidade, infraestrutura para os Jogos, na reforma do Centro, mas infelizmente não houve em relação à Baía de Guanabara. Não se estabeleceu uma agenda ou um responsável. O que lamentamos é isso.
- TERRORISMO EM FOCO NA SEGURANÇA
Outra proposta ambiental no dossiê de candidatura, a recuperação das lagoas da Barra e de Jacarepaguá, também não ficará pronta para os Jogos, como admitiu no mês passado o governador Luiz Fernando Pezão. O corte de 300 árvores na reforma da Marina da Glória e a construção do campo de golfe, que avançou em uma área de 58 mil metros da Parque Municipal de Marapendi, foram outras obras olímpicas que causaram protestos. A operação de segurança dos Jogos Olímpicos, anunciada parcialmente na última semana, é considerada a maior da história do Brasil. Serão 85 mil profissionais, sendo 47,5 mil deles vindos da Força Nacional de Segurança e o restante do Ministério da Defesa. A preocupação com o terrorismo parece ser maior do que a violência urbana. Tanto que o combate ao terrorismo terá um centro exclusivo, assim como na Copa do Mundo, cuja responsabilidade ficará a cargo da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Haverá a colaboração de profissionais de órgãos de inteligência de outros países, como a Interpol. A Polícia Federal conta com 20 unidades no exterior, nas quais informações são colhidas. Todas as 87 instalações usadas nos Jogos, a rede hoteleira e as delegações dos países serão avaliadas no quesito de risco. Países como Estados Unidos e Israel deverão receber atenção especial, como sempre. Diretor de integração da Abin, Saulo Moura, ressalta que o Brasil nunca foi alvo de atentados terroristas, mas que os Jogos Olímpicos podem atrair a atenção de grupos extremistas.
– Por isso fazemos um trabalho permanente e o combate ao terrorismo tem um programa específico. Estamos bem atentos a isso, haja vista o que lamentavelmente aconteceu em Jogos Olímpicos anteriores. Até o momento nada de risco foi levantado nesse sentido. A questão ganha uma relevância porque o Brasil não é alvo, mas será palco de um evento de grande dimensão.
O último atentado em uma edição de Jogos Olímpicos foi em Atlanta 1996, quando a explosão de uma bomba matou duas pessoas e feriu 120. O caso mais notório aconteceu em Munique 1972, no sequestro de atletas israelenses pelo grupo Setembro Negro, que terminou com a morte de 11 desportistas.
- CRISE ECONÔMICA VAI AFETAR?
No processo de candidatura do Rio de Janeiro, os três níveis de governo se comprometeram a cobrir um possível déficit do Comitê Rio 2016 em até R$ 1,8 bilhão, caso seja necessário. A entidade que organiza as Olimpíadas começou a funcionar com a doação de US$ 1,5 bilhão do Comitê Olímpico Internacional e precisa chegar a R$ 7 bilhões com a venda de ingressos, produtos e patrocínios, entre outros, para cobrir despesas do mesmo valor.
Dentre as despesas do Comitê estava a compra de 1,3 milhão de equipamentos esportivos e a segurança dentro das arenas esportivas. O primeiro compromisso foi assumido em grande parte pelos R$ 100 milhões do Ministério do Esporte, e o segundo ficará a cargo da Força Nacional de Segurança. A compra do mobiliário das vilas dos atletas, da mídia e dos árbitros passou para a prefeitura, com o valor de R$ 62 milhões. Os produtos adquiridos ficarão como legado. Os equipamentos esportivos vão para as confederações esportivas, e os móveis ,para moradores do projeto habitacional Minha Casa, Minha Vida. Em contrapartida, o Comitê ficou responsável por compras do governo, como o ar condicionado do Centro Principal de Mídia (IBC) e dos deques e pontões de partida e largada do Estádio de Remo da Lagoa.
o caso do governo estadual, que passa por dificuldade financeira, a maneira encontrada para contribuir foi lançar um projeto de isenção fiscal para as empresas que investirem em projetos do Comitê. O abatimento de ICMS pode chegar a até 4%, e o objetivo é arrecadar os cerca de US$ 230 milhões comprometidos pelo Estado. Em vez de pagar aos cofres públicos, as empresas fariam investimentos ao Comitê em forma de serviços. O projeto já foi lançado no fim de junho e o prazo para cooptar as empresas vai até 31 de outubro.
Diretor geral do Comitê Rio 2016, Sidney Levy afirma que a prática do governo de assumir contas do Comitê é normal, baseada em negociações de ambas as partes, assim como o Comitê honra compromissos que seriam do governo. Ao assumir compras da entidade, os governos evitariam a ajuda à entidade.
– Não considero que isso seja indiretamente uma ajuda do governo ao Comitê. Isso não é de hoje (do governo assumir contas do Comitê). Na proposta original os governos colocaram US$ 750 milhões e escolheram o que é melhor para fazer, algo que fique para a população, como mobiliário da Vila dos Atletas, que ficará com o Minha Casa, Minha Vida, e os computadores que irão para a rede pública de ensino. Eles vão emprestar para nós. O Comitê sempre trabalhou com orçamento enxuto. Nós nos propusemos a fazer sem dinheiro público, como Londres, que teve US$ 2 bilhões de dinheiro público.
O “selo olímpico” é uma das dificuldades nas negociações com fornecedores. O mercado enxerga o Comitê Rio 2016 como um potencial comprador e eleva os preços, cobrando preços maiores e exigindo negociações mais demoradas.
- OBRAS EM ESTÁGIO DE ATENÇÃO
Faltando um ano para os Jogos Olímpicos, a maior parte das obras nas arenas esportivas está em fase final. A mais preocupante segue sendo a do Velódromo do Parque Olímpico. De acordo com o Portal da Transparência, ela estava atrasada até o dia 31 de maio, com 51,24% de conclusão. Naturalmente avançou, com o início da instalação da cobertura no fim do mês passado. Mas vai seguir tendo atenção especial até a conclusão, de acordo com o presidente da Autoridade Pública Olímpica (APO), Marcelo Pedroso:
– O velódromo é uma obra que merece um acompanhamento constante nosso. Possivelmente vai ser estreito até a entrega. Por conta de prazos e por desafios que já enfrentamos até agora.
Relatório do Tribunal de Contas da União aprovado na semana passada apontava que em março nove projetos de obras monitorados internamente pela APO estava com evolução “preocupante”, sem que o documento citasse quais eram. Atualmente, os que estão entre risco “amarelo” e “vermelho” somam 12, de acordo com Pedroso, que também não cita quais, e minimiza as classificações.
– Nossa referência de risco é momentânea. Pode naquele momento estar com indicação de risco, mas logo depois uma ação do ente mudar de posição. É uma medida interna da APO e totalmente preventiva. Não é o projeto todo que estaria em vermelho. Pode ser um caminho crítico daquele projeto, o cumprimento de um prazo, que está em vermelho.
A reforma do Engenhão, que começou com um mês de atraso devido a problemas na licitação, está sendo monitorada de perto pela APO. No momento, apenas a antiga pista de atletismo foi retirada. Caso mais preocupante é o da linha 4 do metrô, que não pode mais ter atrasos. Existe um plano de contingência de ligação entre Barra e Zona Sul caso o metrô não fique pronto a tempo. No mês passado, o Tribunal de Conta do Estado publicou um relatório apontando que parte da obra pode não ficar pronta até as Olimpíadas. De certo, por enquanto, é que a estação Gávea ainda não vai funcionar nos Jogos.
Pedroso não acredita que a crise econômica do país, nem a operação Lava-Jato, que atingiu cinco empreiteiras das obras olímpicas, prejudiquem a reta final da preparação.
– Estamos em uma reta final onde os investimentos já estão bastante acelerados. O governo tem tomado o cuidado de garantir recursos necessários para a realização dos Jogos. Temos mais de 60% de recursos privados. O maior volume de dinheiro já foi encaminhado. Não acredito que isso vá interferir. Em relação à Lava-Jato as empreiteiras têm trabalhado em regime de consórcio. Eventualmente pode ter algum ruído, mas o modelo adotado permite que uma empreiteira cubra a outra. E as obras no Parque Olímpico são geridas por empreiteiras pequenas, que não estão envolvidas na Lava-Jato.
- PREFEITURA X MINISTÉRIO DO ESPORTE: CRISE POLÍTICA
Na semana passada, a prefeitura anunciou como pretende administrar os equipamentos esportivos no Parque Olímpico da Barra e em Deodoro depois dos Jogos e evitar que virem “elefantes brancos”. A ausência do Ministério do Esporte no plano de legado escancarou a crise entre as duas esferas. Na ausência do prefeito Eduardo Paes, coube ao secretário de coordenação Pedro Paulo Carvalho a tarefa de apresentar o plano de legado à imprensa. Ele disse que a proposta foi levada diretamente à presidenta Dilma Rousseff, sem passar pelo Ministério do Esporte. Ainda assim, as portas foram abertas para uma possível parceria.
– O Ministério do Esporte pode ser nosso parceiro, mas se não quiser participar é uma decisão deles. A cidade não vai ficar parada esperando discussões sobre o futuro. Vamos discutir questões internas, mas nossa ideia é parceria, parceria e parceria – afirmou Pedro Paulo.
No final de 2014, o Tribunal de Contas da União demonstrava preocupação e cobrava um plano de legado ao Ministério do Esporte e à Autoridade Pública Olímpica (APO). O prazo dado por Eduardo Paes à pasta era o primeiro semestre. Para o prefeito, não faria sentido o governo municipal gerir instalações somente de alto rendimento para atletas de todo país. Em Brasília, o ministro George Hilton acenava para uma decisão antes da marca de 1 ano para os Jogos.
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Por Globo Esporte.com