Mário de Andrade – Cartas do Modernismo traz correspondência do autor com os principais artistas de sua época

Exposição no Centro Cultural Correios de São Paulo acontece de 19 de setembro a 11 de novembro
O homem que era “trezentos! Trezentos e cinquenta” também sofria, como ele próprio diagnosticou, de “gigantismo epistolar”. Autor de uma obra tão variada quanto a sua personalidade, Mário de Andrade (1893-1945) correspondeu-se, ao longo de toda a vida, com os maiores nomes das artes, da cultura e da inteligência do Brasil, em um tempo em que o país e, sobretudo, São Paulo, viveram seu primeiro grande momento de transformação e modernização. As suas cartas são uma das melhores maneiras de conhecer não apenas a figura de Mário de Andrade – ou as suas múltiplas figuras – como, a partir do plano íntimo, as ideias que revolucionaram o Brasil e São Paulo da primeira metade do século 20. A correspondência do autor estará reunida no Centro Cultural Correios de São Paulo, de 19de Setembro a 11 de Novembro de 2015, na exposição Mário de Andrade – Cartas do Modernismo, com curadoria de Denise Mattare cenografia de Guilherme Isnard.
A exposição, apresentada anteriormente no Rio de Janeiro e em Brasília, com grande sucesso, traça o desenvolvimento do Modernismo através das cartas de Mário de Andrade, um dos gêneros de destaque na produção do escritor. Sua correspondência é reconhecida pelo expressivo volume e pela qualidade dos interlocutores envolvidos. Os mais importantes poetas, escritores, músicos, teóricos e artistas brasileiros que atuaram entre a segunda década do século 20 e 1945, ano de sua morte, trocavam cartas com Mário. Apresentá-lo através de suas cartas revela ao público os bastidores da construção do ideário modernista e também as dores e amores do autor de Macunaíma. O recorte curatorial teve como foco as artes plásticas, priorizando a correspondência com os artistas, ou comentários sobre arte.
Dividida em períodos do Modernismo, a mostra traça uma cronologia do Primeiro Modernismo por meio de reproduções de obras, livros e textos. No Segundo Modernismo trata da amizade de Mário com Portinari mostrando fotos, obras e cartas que evidenciam a admiração mútua e o carinho de sua relação.
Obras de arte
Dois acervos de arte que se dialogam e completam compõem a exposição.
Obras de Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e Cândido Portinari, entre outras, estarão acompanhadas por cartas gravadas pelo ator João Paulo Lorenzón, mostrando os diferentes tons que Mário usava para os seus correspondentes: carinhoso para Anita, caloroso para Portinari e apaixonado por Tarsila. Em fac-símiles podem ser vistas cartas enviadas a Mário pelos artistas, sempre entremeadas de desenhos e gracejos.
O acervo de obras de arte da coleção de Mário de Andrade, hoje abrigadas no IEB- Instituto de Estudos Brasileiros da USP, também será exposto. Entre elas, “As Margaridas de Mário”, de Anita Malfatti , “Mulher”, de Di Cavalcanti, desenhos e aquarelas de Cícero Dias, Ismael Nery, Portinari, Segall, Zina Aita, Augusto Rodrigues e Enrico Bianco. Obras pertencentes a outros acervos de Mário, como a “Menina do Circo”, de Di Cavalcanti, “La Chambre Bleue”, de Anita Malfatti, e “O Chapéu Azul”, de Tarsila do Amaral, completam a exposição.
Linha do tempo
A mostra é complementada por uma cronologia de Mário de Andrade, pelo vídeo “Um Homem Desinfeliz”,docudrama produzido pelo Itaú Cultural, e pelas fotografias feitas por Mário de Andrade na viagem ao Amazonas que realizou em 1927 com D. Olivia Guedes Penteado, uma das anfitriãs da sociedade paulistana, amiga de artistas e intelectuais.
Uma instalação tecnológica criada pelo cenógrafo Guilherme Isnard brinca com a enorme quantidade de cartas escrita por Mário, e, nas mesas de consulta, o público tem acesso à correspondência completa com Anita, Tarsila, Câmara Cascudo, Drummond, Portinari, Manuel Bandeira, entre outros.
Cartas do Modernismo é uma exposição para ver, curtir e aprender.
Cartas Selecionadas
Anita Malfatti
Anita foi a artista em torno da qual foram criadas as fileiras do Modernismo. Amiga de Mário por toda a vida, ela sofreu muito quando o autor passou a rejeitar o seu trabalho porque não se inscrevia no ideário brasileiro que ele pregava. A correspondência entre os dois artistas, uma das longevas do acervo, se estende de 1921 a 1939.
De Mário para Anita
São Paulo, 22 de Outubro (1923 ou 1924)
Anita do coração,
Escrevo-te já. Recebi ontem o desenho colorido que me mandaste. Era terça-feira. Os amigos cá estiveram Guilherme [de Almeida] e mulher também. Gui leu o Meu livro – admirável. Agora são 10 e meia. Apenas me levantei. Mas a primeira coisa que faço é pensar em ti e no teu desenho. Acabo de tornar a olhá-lo. Queres a minha opinião sobre ele orgulhosinha? Pois fica sabendo que me entusiasmei. Acho-o estupendo e como desenho, é francamente a melhor coisa que tenho de ti, Aquelas duas lavadeiras estão admiravelmente bem lançadas. A calma possante e renascente daqueles volumes, braços, pernas, bundas, costas, pescoços é uma coisa forte que enche a gente. Gostei com toda a franqueza e bem me conheces já. (…) Continua assim a trabalhar, a estudar, criar e fazer coisas grandes. Sabes que, além da nossa amizade que não morre e que perduraria mesmo que um de nós decaísse, eu conservo inalterável confiança em ti.(…)
Aqui vai com o poema toda a minha amizade, gratidão eterna e
… abraços, abraços, abraços
Mário
Tarsila do Amaral
Mário de Andrade era apaixonado pela obra de Tarsila – e por ela própria. A artista viajava constantemente a Paris, onde vivia por longos períodos, e era acompanhada por Oswald de Andrade com quem foi casada e viveu uma relação intensa. Mário insistia para que Tarsila ficasse mais tempo no Brasil. Isso só iria acontecer, entretanto, após a crise do café em 1929, e com a separação de Tarsila e Oswald. Mas ela continuaria a considerá-lo apenas um grande amigo.
De Mário para Tarsila
São Paulo, 19 de dezembro de 1922
A Exma. Sra. Tarsila do Amaral
Querida Amiga,
Escrevo-lhe para dizer que evoco de vez em quando sua imagem. É um prazer. Sinto-me tão feliz ao seu lado. Essa felicidade que vem da confiança mútua. Nada de preocupações ou de dúvidas. Uma amizade muito grande, lindo oásis nesta vida de lutas, de ambições, invejas e segundas-intenções. Tarsila, você não imagina o bem que me faz. Sua passagem foi tão leve no meio de nós, não há dúvidas minha amiga. Mas… pense um pouco no destino dos sulcos das barcas no imenso mar. Segue uma barca sem rumo. em torno tudo é mar oceano. E a barca faz um leve sulco nas águas movediças. O sulco desapareceu. Não se vê mais. Acabou. Acabaria? Não. Para destruírem os sulcos as ondas empolaram-se e encheram-no. Mas se não existisse o sulco elas não teriam feito aquele esforço, não teriam tomado aquela forma. E as novas ondas que vem depois, também são modificadas no seu aspecto, por encontrarem as ondas, que encheram o sulco, numa forma determinada? E as outras ondas depois? E depois ainda as outras? E todo o mar oceano? de forma, Tarsila, que se poderá dizer sem erro, que um pequeno sulco modificou o aspecto exterior do mar. Você foi como um sulco. Será vaidade comparar minha alma de poeta a um mar?
Mário
Cartas do Modernismo
Centro Cultural Correios de São Paulo
De 19 de Setembro a 15 de Novembro de 2015
Avenida São João, s/nº, Vale do Anhangabaú, São Paulo-SP
CEP: 01031-970
Telefone: (11) 3227-9461
Horário de visitação:
De terça a domingo, das 11h às 17h.
Entrada franca.
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Por Ascom / A4 Comunicação