Carros: uma paixão conquistense
Status (‘status): substantivo masculino de dois números que diz respeito a uma posição favorável na sociedade; consideração, prestígio, renome. Há exatos 100 anos a primeira fabricante de veículos chegava ao Brasil e seu carro de estreia, o Ford Model T, custava cerca de US$ 525, o equivalente hoje a US$ 8.195 ou aproximadamente R$ 33.200. Incontestavelmente, ter um automóvel era sinônimo de poder aquisitivo alto, um luxo que somente a nata da sociedade poderia permitir-se.
Através dos anos, esses veículos passaram por uma democratização com os chamados carros populares e seus preços mais acessíveis, e as pessoas se viram bombardeadas por propagandas que instigavam e induziam ao consumo. Financiamentos, por exemplo, permitiram a compra de bens de alto custo por meio de parcelas razoáveis, ou, pelo menos, esse era o ideal.
Hoje, em meio a crise e ruas lotadas de automóveis, os mais requintados sempre chamam mais atenção e, com eles, quem está atrás do volante também. Desfilar pelas ruas com um carro sofisticado é o mesmo que dizer “veja, eu posso pagar por um desse”, afinal, os bens de cada um geralmente refletem o nível social de quem os exibe.
Em Vitória da Conquista, as portas dos eventos e restaurantes sempre ostentam carros grandes, brilhantes e acima de tudo, caros. De acordo com dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) de junho de 2019, a cidade dispõe de uma frota composta por 143.822 veículos, sendo 64.570 só de automóveis, a terceira maior da Bahia, atrás somente de Feira de Santana e Salvador. Mesmo assim, uma quantidade significativa dos carros que rodam pelas ruas são ostensivos e pomposos. A chamada “Suíça Baiana” e seus habitantes buscam sempre mostrar o que possuem de melhor.
O gerente de vendas da SportCar Automóveis é Rafael Rocha Moreira, 30, semblante sério e tranquilo, barba e cabelo bem aparados e um sutil espaço entre os dentes da frente que o deixa com um ar levemente infantil, mas não de um jeito ruim. Simpático, Rafael conta que os carrões vendem tanto quanto os carros populares na concessionária. É um dia ensolarado e um dos funcionários lava os carros com uma mangueira enquanto Moreira fala. Ele se mostra disposto a conversar, ao ponto que surpreende em um de seus relatos. Diz que já houve um caso em que o cliente jogou terra no motor para acionar a garantia; o mecânico só foi descobrir os danos propositais uma semana depois.
A concessionária trabalha com carros seminovos, venda ou troca. Rafael narra a vez em que um homem trocou o carro em que chegou, um Uno, por um Fox prata; pagou à vista e sumiu. Tempos depois, foi devolver o carro com pretextos e com uma arma. Descobriram posteriormente que o carro foi usado em um assalto e que o homem havia matado um policial. O gerente de vendas explica que esses são casos raros, mas acontecem. Na verdade, o que acontece com frequência mesmo são pessoas arrogantes e esnobes que tentam comprar, mas têm o nome sujo. Com um ar de desaprovação, Rafael diz que é comum que pessoas se endividem para manter as aparências. A sede por status é a forma como eles mais lucram.
Quem também fala sobre como funciona o negócio dos carros é Iuri Amaral, 34, empresário administrador da Aky Veículos. Ele conversa com um cliente potencial, os dois se levantam e apertam as mãos. Negócio fechado.
Iuri é calmo e passa uma sensação de seriedade; o cabelo exibe os primeiros fios brancos e a camisa social dispõe do mesmo tom de verde dos olhos. Sentado, apoia os cotovelos na mesa de vidro do seu escritório e explica que a concessionária vende em média 25 carros por mês, exceto no período de sazonalidade, janeiro e dezembro, quando as vendas sobem. Conta que isso acontece por ser período de férias, afinal, todo mundo quer viajar em um carro novo.
O empresário diz ainda que constantemente ocorrem casos do financiamento completo do automóvel, em que as parcelas de um carro na faixa de R$100.000, por exemplo, são divididas em 48 vezes de até R$3.600. Iuri também fala sobre o “efeito manada”, quando um automóvel em evidência no mercado está sendo muito comprado e a pessoa que busca por um novo veículo adquire-o. Por insegurança ou dúvida, compra-se o que a maioria tem.
Mas Vitória da Conquista tem opções para todos os gostos e quem prova isso é Edilson Pontes Chaves, 55, empresário responsável pela CityCar Veículos. Os fios brancos proeminentes no cabelo escuro indicam experiência, enquanto o sorriso sutil indica cordialidade. Sua concessionária não trabalha com a linha tradicional de populares, mas sim com um segmento de menor concorrência, os carros grandes, importados e caros.
À direita de Edilson, a parede do escritório é decorada com miniaturas de automóveis e motocicletas de aparência sofisticada. Um pouco mais abaixo, vê-se um Salmo da bíblia emoldurado, fotos de família e uma garrafa de whisky Old Parr. Aquele é um local de fazer negócios, especialmente com empresários, a grande maioria da clientela da CityCar.
Apesar disso, cerca de 90% dos carros vendidos são a prazo por financiamento, um padrão que se repete em todas as concessionárias. São tempos de crise e Edilson fala sobre a “troca com troco”, quando o cliente troca seu veículo por outro de preço menor e fica com a diferença em dinheiro.
Ainda falando em números, o empresário revela que 20% dos
compradores se endividam para adquirir o carro; apesar de não terem condições, as pessoas desejam. Existem também aqueles que tentam o financiamento mesmo com o nome sujo, gente endividada em um banco que tenta financiar por outro. Um carro como o Mercedes-Benz GLE 400 custa cerca de R$350.000, e Edilson diz que vende um ou dois desses por mês.
Assume-se que ver uma máquina assim na rua instiga e desperta o interesse dos amantes de automotores. Para o conquistense que gosta do assunto, desfilar pela Olívia Flores com um automóvel tão caro quanto uma casa pode ser considerado um sonho, já que confere o conforto e o status que boa parte dos habitantes da Suíça Baiana gostam ou gostariam de ter. No final, essa requintada frota que passeia pelas ruas de Vitória da Conquista é composta por quem pode e quem não pode pagar, representando não somente uma cidade, mas uma sociedade inteira em que o valor do indivíduo depende do valor de seus bens. E assim seguem todos, construindo e comprando a imagem que querem para si, não importa quanto ou o que custe.
Por Naiele Lopes*
*Naiele Lopes é estudante de jornalismo da UESB