Literatura popular é destaque na programação da Flica
‘No cordel cabe tudo. Da Bíblia até o Kama Sutra’, diz o poeta Antônio Barreto, que participa de bate-papo com Bráulio Bessa
O cordel aparece não só no programa de Fátima Bernardes, com a declamação do poeta cearense Bráulio Bessa. Ele, na verdade, vai além do encontro marcado com a Globo e pode ser visto em todos os lugares. “Vejo verso todo dia, em todo canto”, brinca o músico, poeta e cordelista Maviael Melo, 49 anos, que será o mediador de uma das mesas da Festa Literária Internacional de Cachoeira (Flica), no sábado, às 10h.
Com o nome Pra Cada Canto que eu Olho, Vejo um Verso se Bulindo, a mesa terá participação do já citado Bráulio Bessa, 34, e do professor, poeta e cordelista baiano Antônio Barreto, 64. “É o tema da minha vida. Fazer essa mediação vai ser a coisa mais fácil do mundo e o público vai se bulir”, garante Maviael, sobre sua terceira participação na Flica e primeira como mediador.
A ideia do encontro que tem entrada gratuita é cada convidado falar sobre seus processos criativos. “No cordel cabe tudo. Desde a bíblia até o Kama Sutra”, ri Antônio Barreto. A mesa provoca, ainda, o debate em torno da poética urbana, da resistência do cordel à passagem do tempo e da força dessa linguagem popular secular que tem ganhado destaque com a nova geração e o uso das novas tecnologias.
“O cordel mostra um vigor surpreendente. É uma literatura popular de raiz e um meio de transmissão como a internet pode levar para um público maior. A gente tem um mito de que as pessoas não gostam das coisas, mas o que falta, na verdade, é acesso”, destaca a curadora da Flica, a poeta e colunista do CORREIO, Kátia Borges, 51.
Tradição forte
Autor de 181 folhetos de cordel e professor da rede pública há 28 anos, Antônio Barreto usa esse gênero literário como ferramenta educativa e destaca que é preciso entender o cordel como uma “tradição nordestina forte, poética que ganhou uma dimensão impressionante”. A história conta que, na chegada dos portugueses ao Brasil, eles já traziam na bagagem esses versos, mas diferente do que se fazia na Paraíba e em Pernambuco, por exemplo.
“Tem um mistério por trás disso e a gente não sabe explicar”, pontua Antônio. “Hoje, a arte cordel tomou uma dimensão tão grande que está presente na televisão, no teatro, nas salas de aula e nas redes sociais. Com as novas tecnologias, a cultura nordestina está circulando por outros ambientes, está no mundo inteiro. Nós, cordelistas, temos a missão de levar adiante essa arte popular”, defende.
Antônio cita sua missão nas salas de aula e a oportunidade que Bráulio tem de dialogar com todo o Brasil, a partir de um meio de comunicação de largo alcance. “Bráulio Bessa é um poeta novo, que deu visibilidade maior ao cordel, por conta de estar em na televisão, que todo mundo assiste. Já Antônio Barreto faz isso o ano inteiro, em sala de aula”, resume Maviael.
Artista mais assistido em 2017 na Globoplay, plataforma de streaming da Globo, Bráulio é autor de dois livros: Poesia com Rapadura e Poesia que Transforma, que virou best- seller. Autodenominado “um fazedor de poesia”, ele escreve sobre temas como afeto, vida no sertão e até sobre a badalada série La Casa de Papel, cujo vídeo alcançou 755 mil visualizações no YouTube.
“Agora, o cordel sai desse foco só sertanejo e invade os grandes centros. Tem muito cordelista urbano, hoje, que fala de violência urbana, questão de gênero, violência doméstica e isso é importante. O que deixa o cordel cada vez mais aceso é a força que nossa cultura tem. Ela resiste à seca, à fome, aos políticos corruptos, à desordem geral. Não só o cordel, mas a arte. Ela tem a força de passar por isso”, conclui Maviael.